Via Olívio Jekupé:
O gravador do Juruna
Está com o Daniel Munduruku para coletânea
Juruna era um índio xavante que foi eleito o primeiro deputado do Brasil. Ao ser eleito toda a imprensa corriam atrás dele sempre fazendo uma matéria, fazendo muitas perguntas e nisso o povo brasileiro começou a comentar sobre ele e achavam engraçado um índio ser deputado, e a cada vez que falava na imprensa, mais conhecido ficava. E para o povo, era engraçado ver um índio cabeludo, falava um português arrastado, e que no começo não queria usar gravata, pois tinha um costume diferente, tinha vivido a vida toda no cerrado de sua aldeia. Só que como agora se
tornou um deputado então foi obrigado a usar o terno do chamado- homem branco.
O tempo foi passando e ele começou a perceber que muitos políticos muitas vezes falavam algo e não cumpria e outras vezes achava que muitos mentiam, não era sincero no que dizia e nisso certo dia Mario Juruna pensou em algo estranho para a época, resolveu gravar o que eles falavam para que usasse como prova. E que não tinha como mentir, dizer que não tinha falado. E depois que comprou o gravador, falou consigo mesmo:
-Amanhã será o dia serei um fiscal do povo e dos índios porque gravarei tudo o que os deputados falarem.
E no dia seguinte Juruna aparece com um gravador na mão, liga e inicia sua primeira gravação, e a imprensa e os deputados ao ver aquilo acharam muito engraçado e começaram a rir do índio deputado, mas ele não se intimidou, porque sabia que isso seria importante no seu dia a dia.
No dia seguinte foi comentário em todo o Brasil porque saiu em vários jornais, e que para muitos virou uma brincadeira, só que na verdade para o deputado Mario Juruna era uma grande arma que carregava em suas mãos, porque depois que começou a andar com o gravador , muitas vezes os deputados se sentiam preso, e nem sempre diziam o que queria, porque perceberam que o que dissesse poderia depois chegar nas mãos dos jornalista.
Com o tempo muitos que riram do que ele fazia, notaram que aquela brincadeira que muitos achavam era algo sério. E por isso Mario Juruna ficou muito conhecido no Brasil por tudo o que fazia, pela coragem de dizer sempre a verdade, mas o que deixou mais conhecido era andar com o gravador que sempre estava ao seu lado.
Com o passar do tempo muitos começaram a admirar por ele fazer aquilo, gravando tudo e certo dia Mario Juruna foi dar uma palestra em Brasília, e estava um dia muito gostoso, e como sempre estava com o gravador e naquele momento não estava gravando nada, então deixou ao lado de uma mesa, perto do local em que falava. E logo depois que terminou de falar, foi pegar seu gravador que já estava em suas mãos andando por todo o canto há um ano, e tinha desaparecido. O índio deputado se assustou, parecia que ia desmaiar porque sentia algo forte por aquele gravador, um forte sentimento, pois foi o primeiro que tinha comprado, não era qualquer gravador,para ele era o seu predileto. Falou com algumas pessoas que seu gravador tinha sumido, mas nada de encontrar.
Mas no dia seguinte Mario Juruna foi até uma loja e comprou outro gravador, mas sentiu uma tristeza porque não era o primeiro. Tudo bem, pensou, mas ia ter que se acostumar, quem sabe um dia ele encontre quem foi que roubou. E certo dia o índio comentou com outro xavante dizendo que se alguém encontrar um gravador parecido com o dele que olhasse a marca para confirmar que era o dele.
Os anos foram se passando até que o prazo de deputado venceu, Mario Juruna
continuou morando em Brasília e por ali ficou e com aquela angústia de nunca mais ter recuperado seu primeiro objeto da cidade que lhe deixou conhecido em todo o Brasil e que foi sua marca em que fazia justiça aos índios e ao povo, escutando os absurdos dos deputados.
Os anos passaram e ninguém nunca viu o tal do gravador, nem a polícia conseguiu achar, e com o passar dos anos, Mario Juruna havia morrido, foi muito triste porque os povos indígenas perderam um dos grandes defensores da causa indígena, o homem que mostrou a sociedade que os povos indígenas também podem governar na política muito bem, que podemos ter nossos vereadores, deputados estaduais, federais e quem sabe, poderemos ter um índio na Presidência, basta tirar de dentro de si o preconceito porque assim irão conhecer muitos que estão preparados. Mas com a morte foi se também a história de que nunca mais iria encontrar o gravador.
E os anos continuavam passando como sempre passa, e no mês de Outubro de 2009 estava acontecendo o primeiro encontro dos escritores apoiado pela Secretaria da Cultura do Estado de Mato Grosso, e nesse evento foi feito um grande palco no centro da cidade para receber as pessoas que iriam assistirem muitas palestras com índios de vários Estados do Brasil, onde cada um falaria sobre a novidade dessa literatura indígena que poucos conhecem mas que era uma realidade do século. E como presentes estavam o grande líder Ailton Krenak, o famoso Marcos Terena, que além de escritor, é conhecido como o primeiro índio piloto do Brasil, , o Daniel Munduruku,
o maior escritor com livros publicado nesse país, e o Olívio Jekupe, escritor de alguns livros mas que escreve desde 1984, escritor antigo. Aliás, um escritor que acredita que o mundo da literatura escrita pelos povos indígenas é muito importante porque fará com que a sociedade valorize mais os povos indígenas.
Também foi preparado um local para stand onde várias livrarias colocariam seus livros para vender e uma delas era a do NEARIN( Núcleo dos escritores e artistas indígenas),e havia um rapaz chamado Rafael que trabalha no atendimento de vendas dos livros,onde havia livros de vários autores indígenas. E ali iam chegando pessoas a todo momento, olhavam e observavam os livros dos autores.
Já no terceiro dia do evento, o Rafael estava arrumando os livros quando de repente chegou um velho já de uns 70 anos de idade e carregava um gravador em suas mãos e nisso começou a prosear e disse:
-Caro amigo eu queria que você fizesse um favor para mim, gostaria de deixar esse gravador com a entidade de vocês, o NEARIN( Núcleo dos escritores e artistas indígenas). Sei que nas mãos de vocês esse gravador poderá fazer história e ficar guardado para sempre.
-Mas porque quer deixar esse gravador conosco, não é do senhor? Uma lembrança?
-Não, na verdade esse gravador, é do falecido Mario Juruna, certo dia ele esteve em minha casa e esqueceu e nunca mais tive contato e aí ficou comigo até os dias de hoje, e parece que depois que ele morreu, sinto algo no peito me apertando cobrando para devolver o gravador para o Mario Juruna, e como vou entregar se já morreu. Sinto uma pena de não ter conseguido entregar para ele antes de morrer. E todas as noites
parece que vejo ele perto de mim, cobrando, por isso é que resolvi entregar para o NEARIN, sei que ele iria sentir melhor, é como se estivesse devolvido o gravador.
E havia alguns escritores conversando com algumas pessoas que andavam pelos stands aí Rafael foi e disse que ia chamar um dos escritores para receber o gravador e pediu para o velho ficar um estante. Nisso o Rafael chamou dois índios e por conhecidência havia um xavante também nesse evento, que aliás não era escritor, mas fazia algo que o Mario Juruna fazia, gravava as coisas, mas em filme.
Ao chegar no local, o velho não estava mais, e nisso o Rafael começou a contar toda a história que tinha ouvido, e mostrou o gravador deixado pelo velho, que dizia que o Mario Juruna tinha esquecido em sua casa. Aí o xavante riu ao ver aquele gravador e começou a dizer.
-Na verdade o Mario Juruna nunca esqueceu o gravador na casa desse homem, na verdade roubou o gravador do nosso parente, meu pai disse certa vez que o Juruna estava dando uma palestra em Brasília e depois de terminar notou que seu gravador tinha sido roubado e passou alguns anos na esperança de encontrar, mas morreu sem conseguir. E esse homem que trouxe o gravador deve ter sido o próprio que roubou e agora deve estar arrependido, a consciência apertou por dentro. Por isso é que ele deixou com você e fugiu para não deixar pista.
Em seguida o Rafael falou com tom engraçado com aquele sotaque da carioca que tem.
-Pô meu irmão como vamos saber se esse gravador é mesmo do Mario Juruna, vai que o velho é apenas um maluco.
Nisso o índio xavante falou que:
-Existe uma prova que pode ser visto se o gravador era o do Juruna, e contou que quando o Mario Juruna comprou o gravador, ele deixou seu nome em sigla,DMJ(Deputado Mario Juruna. E está escrito dentro do gravador, onde é colocado as pilhas.
Nisso o Rafael riu ao ouvir aquilo e falou para abrir logo porque queria tirar a dúvida. E logo abriram e tiveram uma surpresa, a sigla estava lá, do jeito que foi falado e aí não tiveram dúvida, o gravador era mesmo do grande líder indígena e deputado, e carregando seu gravador para todos os cantos.
E aí o gravador ficou com o NEARIN, pois ia ser de grande valor para o Núcleo, ter algo desse líder e que muitos quando quiserem ver o gravador que fez história poderia ver.
O gravador do Juruna
Celular-011-9845-0268
Olivio Jekupe
http://www.oliviojekupe.blogspot.com
oliviojekupe@yahoo.com.br
Olivio Jekupe- presidente da Associação Guarani Nhe´e Porão,escritor e poeta, autor de varios livros e morador da aldeia Krukutu- São Paulo de Piratininga - Brasil.
Também é palestrante e já esteve na Italia por duas vezes para divulgar seus livros.
O rescem livro em lançamento se chama- Tekoa conhecendo uma aldeia indigena, Editora Global.
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