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quarta-feira, 11 de maio de 2011

Grito e Reivindicações do Encontro Nacional dos Povos Indigenas em defesa da Terra e da Vida

Via Vanessa Ramos/CIMI:

Nós, lideranças e representantes de 66 povos indígenas do Brasil, estivemos reunidos em Luziânia-GO, nos dias 29 de abril a 1º de maio, para fazer uma análise sobre a realidade de nossos povos diante do atual modelo de desenvolvimento imposto pelo governo brasileiro; diante das pendências fundiárias que envolvem nossas terras; diante da perseguição e criminalização de lideranças e povos que estão em luta pela garantia de nossos direitos.
No primeiro dia do encontro, apresentamos para as subprocuradoras da República, Dra. Deborah Duprat e Dra. Raquel Dodge, coordenadoras das 6ª. e 2ª. Câmaras do Ministério Público Federal (MPF), nossos mais graves problemas. Ao mesmo tempo solicitamos que o MPF intervenha junto aos poderes públicos, especialmente ao Ministério da Justiça e no seu órgão indigenista, a Fundação Nacional do Índio (Funai), para que busquem solucionar os problemas, fundamentalmente àqueles relacionados ao descumprimento dos dispositivos constitucionais que nos asseguram a demarcação e usufruto exclusivo de nossas terras.
Junto com as Procuradoras da República avaliamos com preocupação que o desrespeito aos nossos direitos constitucionais gera outras questões graves, tais como a invasão de terras, a depredação do meio ambiente, a implementação de projetos e empreendimentos econômicos nas áreas indígenas que impactam de forma negativa as nossas organizações tradicionais, a judicialização das demarcações de terras, a perseguição e a criminalização de centenas de nossas lideranças no país.
No decorrer do segundo dia de nosso encontro realizamos levantamentos sobre os empreendimentos que agridem, direta e indiretamente, nossas comunidades e povos; sobre a situação fundiária de nossas terras; sobre as perseguições, prisões e agressões praticadas contra nossos líderes. Os dados que coletamos, apesar de serem ainda preliminares, dão conta de que pelo menos 434 empreendimentos atingem nossos territórios. Os programas desenvolvimentistas do governo federal, vinculados ou não ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), vão gerar impactos em 182 terras indígenas e em pelo menos 108 povos.
Ficou evidenciado, neste encontro, que por causa de nossa luta há, de acordo com o InfoPen/MJ, pelo menos 748 indígenas presos, sendo que muitos são lideranças e além disso, outras são perseguidas e sofrem violências praticadas inclusive por agentes da Polícia Federal. Outras processadas e com ordem de prisão decretada. Sobre isso enfatizamos que em muitas regiões há juízes ocupantes de terras indígenas ou que defendem interesses de fazendeiros e até de grileiros assentados em áreas demarcadas ou reivindicadas como de ocupação tradicional indígena. Tais juízes não podem julgar as ações relativas às nossas terras. Devem, portanto, serem impedidos uma vez que são partes interessadas nas ações.
Causa-nos preocupação a atuação do Poder Judiciário. Na grande maioria das regiões, tem adotado procedimentos e decisões contrárias aos nossos direitos constitucionais, especialmente nos casos de mandados de reintegração de posse nas ações contra demarcações de terras, bem como para nos expulsar de nossos territórios, assim como prender e condenar as nossas lideranças quando estas reivindicam a garantia, posse e usufruto de nossas terras. Já para o julgamento de ações que são favoráveis aos interesses indígenas, o Poder Judiciário tem protelado por décadas a tomada de decisões, a exemplo do caso Pataxó Hã-Hã-Hãe à espera de julgamento no Supremo Tribunal Federal.
Preocupa-nos muito a falta de iniciativa do governo federal no sentido de estruturar uma política indigenista que dê conta e atenda as diferentes realidades e demandas dos Povos Indígenas. As questões que destacamos neste documento são constantemente denunciadas aos órgãos públicos com o objetivo de que sejam tomadas medidas cabíveis para solucioná-las. No entanto, o Ministério da Justiça, através de seu órgão indigenista, não dá respostas. Não tem ação, é lento, burocrático e busca apenas acomodar os conflitos sem querer resolvê-los.
E isso vem acontecendo explicitamente com relação às demarcações de terras em Mato Grosso do Sul, que apesar da Funai ter se comprometido em um Termo de Ajustamento de Conduta não demarcou as terras de um povo que sofre processo de genocídio. Em toda a Região Nordeste, as terras são afetadas por grandes obras, tais como a transposição das águas do rio São Francisco, a construção da ferrovia transnordestina, pelos grandes plantios de cana-de-açúcar e a construção de redes hoteleiras (resorts). No Sul e Sudeste do Brasil, os nossos povos vivem em acampamentos de beira de estradas ou em pequenas áreas, o que não garante as mínimas condições de vida.
Nos estados do Norte e Centro-Oeste, a Funai tem se omitido quanto à conclusão dos procedimentos demarcatórios e a proteção de nossas terras, especialmente nos estados de Rondônia, Mato Grosso, Maranhão. Além disso, permite que sejam estruturados grandes empreendimentos econômicos que devastarão as terras indígenas, inclusive em áreas de povos que vivem sem contato com a sociedade brasileira. Exemplos disso não nos faltam, tais como o complexo hidroelétrico do Rio Madeira, a Usina de Belo Monte, as hidroelétricas projetadas para os rios Tapajós, Juruena, Teles Pires, e outras em construção ou planejadas como Estreito, Serra Quebrada, Santa Izabel, Marabá, nos rios Tocantins, Araguaia e Tapajós.
Para agravar este quadro, a Funai tem dado o aval para a abertura de novas rodovias e ferrovias que rasgarão terras indígenas; tem dado pareceres favoráveis às pequenas centrais hidroelétricas em rios que cruzam as áreas indígenas, como acontece na terra indígena Rio Branco; não tem feito oposição ao plantio de monocultivos de soja transgênica, cana-de-açúcar, eucalipto, pinos e tampouco manifesta ser contrária à criação de gado em terras que estão em demarcação. E aqui lembramos que não houve nenhum posicionamento da Funai contrário a construção de usinas nucleares na região nordeste do Brasil, sendo que estas poderão afetar nossas terras e toda a população indígena.
Neste encontro, também conversamos sobre o movimento indígena, nossas organizações, articulações e conselhos. Percebemos que existem dificuldades e que estas serão superadas se conseguirmos fortalecer as organizações em âmbito local, regional e nacional. Precisamos também acompanhar e participar, junto com nossas lideranças, das reuniões da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI). Queremos que ela seja realmente um conselho com condições e capacidade para discutir, propor e criar uma política indigenista que atenda nossas necessidades, direitos e as diferenças culturais.
O nosso movimento indígena precisa estar voltado para as nossas realidades e a partir delas interferir junto aos poderes públicos, cobrando e exigindo que os nossos direitos sejam garantidos.
Hoje o órgão que deveria cuidar de nossos direitos tem servido mais a interesses daqueles que nos atacam ou que pretendem explorar as nossas terras. Estamos cansados disso.
Queremos uma Funai que deixe de atender aos interesses econômicos e do latifúndio, e que pare de ser órgão licenciador de obras que rasgam nossas terras. Queremos uma Funai com recursos suficientes para retirar os invasores de nossos territórios e ao mesmo tempo ter condições de concluir os procedimentos demarcatórios de nossas terras. Chega de paralisia nas demarcações. Queremos uma Funai com condições de defender nossos direitos coletivos e individuais, especialmente de nossas lideranças que são criminalizadas.
Ao finalizar este documento, convocamos todos os povos indígenas do Brasil para nos unirmos contra os projetos do governo federal e dos governos estaduais e municipais que pretendem única e exclusivamente ganhar dinheiro e poder com a destruição da nossa mãe terra. Mãe que nos nutre, protege e garante a nossa vida e o nosso futuro, que são nossos filhos e netos.
Somos, como bem lembrou um de nossos parentes, os povos do amanhã, porque não pensamos só no hoje, queremos que a terra e a natureza permaneçam vivas para sempre.
Luziânia, GO, 1º de maio de 2011.
POVOS INDÍGENAS PRESENTES:


Anacé
Apinajé
Apolima-Arara
Apurinã
Arara – MT
Arara - PA
Arara - RO
Atikum
Bakairi
Bororo
Cinta Larga
Cujubim
Djoromitxi
Gavião
Geripankó
Guarani Kaiowá
Guarani Mbya
Hunikuĩ
Jaminawa
Juruna
Kaingang
Kambeba
Kambiwá
Kanoé
Karajá
Karuazu
Kassupá
Katokinn
Kayabi
Kayapo
Koiwpanká
Krahô
Krahô-Kanela
Makuxi
Mamaindê
Mayuruna
Mura
Myky
Nambikwara
Nawa
Orowari
Pankaiwká
Pankará
Pankararu
Pataxó
Pataxó Hã-Hã-Hãe
Pipipã
Potiguara
Puruborá
Rikbaktsa
Sakyrabiat
Suruí
Tabajara
Terena
Tinguí-Botó
Truká
Tumbalala
Tupari
Tupinambá
Wajuru
Wapixana
Xakriabá
Xerente
Xukuru
Xukuru-Kariri
Zoró

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